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O homem do ônibus ejaculou, mas foi a Moral que estuprou o Direito

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Data06 de Setembro de 2017
 

O título do post é pesado, mas o assunto realmente é sério e por despertar o clamor popular tenho visto muitas opiniões se multiplicarem nas redes sociais sobre o assunto.

 

Para quem não sabe do que estou falando recomendo que primeiro leia essa matéria.

 

Eu escolhi esse tema, porque vi muitas pessoas criticando abertamente o juiz que mandou soltar o homem e quero levá-los a refletir sobre a questão para que vocês pensem melhor e me digam a quem deve ser direcionada a crítica.

 

Peço que não se assustem com as palavras complicadas, pois eu farei questão de explicá-las.

 

Então, por favor, leiam até o fim, porque é do interesse de todos.

 

Deontologia x Axiologia

 

Antes de qualquer coisa, devemos nos perguntar o que esperamos do Judiciário? Quando vou a juízo que resposta eu espero ter?

 

A deontologia é uma teoria da filosofia moral que define as ações como obrigatórias, proibidas ou permitidas e a axiologia é um ramo da filosofia que tem por objetos os valores, tentando dispô-los de modo hierárquico a fim de definir o que é justo ou injusto, bom ou ruim, certo ou errado.

 

Eu pergunto: será que esperamos do juiz uma manifestação deontológica ou axiológica?

 

Em minha humilde opinião é bem óbvio que queremos uma decisão que apresente um juízo deontológico, afinal o que queremos é que o magistrado com base no ordenamento jurídico responda se as condutas em questão são obrigatórias, proibidas ou permitidas.

 

O juízo não pode ser axiológico, porque digamos que por azar o caso caia nas mãos de um juiz igualmente tarado. Qual seria o resultado?

 

O que queremos saber ao acionar o Judiciário não é o que o magistrado entende por justo e injusto, por certo ou errado, por bom ou ruim.

 

Há milhares de juízes em todo o país e cada um com um sistema e hierarquia de valores diferentes, então como poderíamos aceitar que o Judiciário se comportasse dessa maneira? Qual segurança jurídica e previsibilidade teríamos?

 

Isto posto, temos que entender que ainda que o juiz reprove a conduta do homem até com a última centelha de força de sua alma, seu papel não é dar uma sentença que expresse um juízo axiológico, mas sim um juízo deontológico.

 

Os juízos deontológicos são indispensáveis para a democracia

 

A democracia é o governo do povo, ou seja, o poder emana do povo que o exerce por meio de seus representantes eleitos.

 

Bem ou mal somos representados pelas pessoas que nós escolhemos e as leis que nos regem são produzidas pelas pessoas que elegemos, de forma que ao fim e ao cabo somos nós mesmos, ainda que de modo indireto, os legisladores.

 

É isso que impõe legitimidade às normas, o fato de que nós somos os responsáveis por elas ou ao menos a maioria de nós.

 

O Judiciário é por isso o Poder da República que apresenta o menor grau de representatividade, visto que seus membros não são eleitos.

 

Os magistrados de 1º grau são elevados a essa posição via concurso público e os desembargadores e ministros de tribunais assumem o cargo via escolha indireta, o chamado quinto constitucional.

 

Onde está então a legitimidade das decisões judiciais?

 

A legitimidade está na fundamentação, ou seja, na demonstração racional, lógica e técnica de que determinada decisão judicial está em conformidade com as leis (previamente legitimadas, conforme dito acima).

 

Exatamente por isso é que um juiz ao decidir não pode dizer o que pensa, o que acha ou decidir conforme sua consciência.

 

Seu papel institucional, que lhe impõe responsabilidade política e jurídica, é de dar provimentos conforme o ordenamento jurídico, dizendo se determinada conduta é obrigatória, proibida ou permitida e explicitando suas consequências, as quais também devem estar anteriormente previstas.

 

O que o homem fez foi estupro?

 

A resposta é não!

 

O Código Penal estabelece:

 

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos

Quando o juiz disse que não houve constrangimento ele não o disse no sentido comum, afinal qualquer um que está lendo esse texto ficaria extremamente constrangido se um estranho ejaculasse em você.

 

Veja, o tipo penal diz: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça”.

 

Não houve constrangimento, porque o constrangimento que o tipo prevê é qualificado pela violência ou grave ameaça.

 

Nenhuma arma foi apontada, nenhuma ameaça foi feita, não houve conjunção carnal, a vítima não foi força a praticar e nem a permitir que se pratique ato libidinoso.

 

O homem praticou o ato libidinoso em si mesmo e com isso importunou outra pessoa de modo ofensivo ao pudor, conforme descreve a Lei das Contravencoes Penais:

 

Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Aí você pode me dizer: ah, mas essa pena é muito pequena, ele nem será preso ou isso é injusto ou não vai dar em nada...

 

E de quem é a culpa? Do juiz que apenas cumpriu o seu dever?

 

O juízo deontológico é claro: a conduta é proibida de acordo com o art. 61 da Lei de Contravencoes Penais e as consequências são aquelas previstas em lei.

 

Digo a todos e principalmente às feministas de plantão: eu não estou negando que ainda há muito machismo, nem dizendo que é certo o que esse homem fez, ou que a lei é a ideal, mas sim que o juiz apenas agiu em conformidade com o ordenamento.

 

Ele é juiz e não justiceiro.

 

A crítica de muitos de vocês vai na direção errada porque não compete ao juiz fazer leis, mas cumpri-las e se a reprovação legal da conduta não é o bastante o problema está em quem faz as leis.

 

Em última instância o problema está em quem elege as pessoas que fazem as leis, ou seja, parte da culpa pela injustiça também é sua.

 

E por qual motivo o título diz que a Moral estuprou o Direito?

 

Enquanto o Legislativo e o Executivo prosseguem em suas disputas por poder, pagamentos de propina, esquemas com empreiteiras e negociação de cargos, as questões mais delicadas do país seguem não resolvidas.

 

Alguém tem que resolver e por coincidência o Judiciário é o único Poder da República que tem a obrigação de sempre dar uma resposta.

 

Daí tudo acaba lá: células tronco, fetos anencefálicos, aborto, casamento gay e por aí vai.

 

E as pessoas seguem acreditando que nos homens de toga está a panaceia para resolver os problemas do país.

 

Infelizmente, todo esse contexto inflou o Judiciário que há muito tempo vem excedendo a sua função constitucional e hoje de modo aberto já produz leis, riscando e muitas vezes rasgando a própria Constituição a despeito de dispositivos literais do texto original de 1988.

 

Importando de modo equivocado diversas teorias europeias e americanas o Direito Brasileiro ficou uma salada mista de incoerências e gera a loteria que hoje vemos no Judiciário.

 

Não tem previsibilidade, não tem segurança jurídica e nem mesmo o Supremo Tribunal Federal mantém coerência com as próprias decisões.

 

Já não se decide pelo que diz a lei, mas pelo que se acha que é, pelos anseios da sociedade, pela pressão da mídia.

 

Talvez você revoltado com a notícia tenha pensado, esse cara deve ser condenado por estupro, isso seria justo.

 

Tá, mas justo pra quem? O que é justiça? Qual seria a pena ideal pra quem faz isso? E os outros que não acham justas as suas respostas?

 

A Moral, os conceitos de justo e de injusto, de certo e de errado, de bom e ruim devem entrar na produção legislativa.

 

O lugar de discutir se adoção por casais homoafetivos é bom pra sociedade ou não é no Congresso, o lugar pra determinar se a pena deve começar a ser cumprida após decisão de 2º grau é lá.

 

Porque se não for no Congresso então já não vivemos uma democracia, mas uma oligarquia de toga.

 

E uma ditadura judicial é a pior coisa que existe, pois não há a quem recorrer, como bem pontuou Rui Barbosa.

 

Como Lênio Streck vem bradando repetidamente: se a Moral corrigir o Direito, quem corrige a Moral?

 

O Judiciário tem que aprender a dizer não

 

Por conta desses erros repetidos do Judiciário que tem se imiscuído no papel constitucional dos outros poderes as pessoas têm visto o Judiciário como o Paladino da Moral e não como o Guardião do Direito.

 

Por isso as pessoas ficam loucas da vida quando veem um juiz liberar um homem que ejaculou em uma mulher afirmando que não é estupro porque não houve constrangimento.

 

Se acostumaram a ver o Judiciário dizer que algo é certo ou errado, justo ou injusto em vez de decidir nos termos do ordenamento.

 

O Judiciário precisa aprender a dizer não em alguns casos e deixar que o Legislativo faça o seu papel ou então teremos um superpoder que aos poucos devorará os demais e nossa democracia ruirá outra vez.

 

Fonte: JusBrasil